Saudade


De repente senti algo:
Vontade de te ver,
Vontade de te ouvir,
De ter os teus olhos!
Saudade...
Tenho a noite!
Far-me-á companhia,
O luar,
A escuridão,
O teu esboço...
Saudade...
Tenho vento!

Os teus cabelos compridos
Fazem-me carícias na cara.
Os teus olhos
Saudade...

Tenho a luz da noite!
Acompanha-me nesta escuridão.
O cheiro da lua,
Envolve-me em doce...
Saudade...
Tenho a música da rádio
E a tua gargalhada silenciosa
E a possibilidade de imaginar o teu sorriso,
As tuas expressões
Que não conheço.
Saudade...
De uma lágrima que me beija a face
Que está guardada dentro dos meus olhos
E que não cai
Porque seria em vão!
Saudade...
Existe e não se explica...
Tal como aquilo que nos une,
Que nos faz tocar as nuvens sem nos vermos
Sem estarmos
Sem nos olharmos
Sem nos sentirmos
Sem nos amarmos...
S
audade...

Esse sentimento silencioso, mas belo.

N
uno Garção

«Ser ou não ser»

.
"Qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.

Se os novos partem e ficam só os velhos
e se do sangue as mãos trazem a marca.
Se os fantasmas regressam e há homens de joelhos
qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.

Apodreceu o sol dentro de nós
apodreceu o vento em nossos braços.
Porque há sombras na sombra dos teus passos
há silêncios de morte em cada voz.

Ofélia-Pátria jaz branca de amor.
Entre salgueiros passa flutuando.
E anda Hamlet em nós por ela perguntando
entre ser e não ser firmeza indecisão.

Até quando? Até quando?

Já de esperar se desespera. E o tempo foge
e mais do que a esperança leva o puro ardor.
Porque um só tempo é o nosso. E o tempo é hoje.
Ah se não ser é submissão ser é revolta.
Se a Dinamarca é para nós uma prisão
e Elsenor se tornou a capital da dor,
ser é roubar à dor as próprias armas
e com elas vencer estes fantasmas
que andam à solta em Elsenor."

Manuel Alegre

Dias assim...

.

Dias assim aqueles que sentimos
Sentimentos de nós
Sentimentos sentidos.

Olhamos a sombra
Vemos o negro
E sentimos o cristalino do frio.

Olhamos o sol
Vemos o dourado
E sentimos a textura do calor.

Entre estes dois mundos
Debatemo-nos na procura de nós
Alternando caminhos bem traçados
Mas que não sabemos onde nos levam.

Dias assim aqueles que sentimos
O sentir da vida
E a vida na impressão dos sentidos.

Vemos passar aquele comboio:
Olhamos alegres por sabermos
Que queríamos não estar dentro dele.

Olhamos aquele monte:
E pensamos como se torna difícil ver o cume
Quanto mais perto estamos.

Entre querer e lutar para ter
Debatemo-nos na procura de nós
Alternando caminhos bem delineados
Mas que não sabemos o que nos reservam.

Dias assim aqueles que sentimos
Sentimos dos outros
Sentimentos de nós.

Procuramos o profundo do outro
E admirados
Encontramos o profundo de nós.

Procuramos a beleza nas coisas humanas
E desiludidos
Encontramos pedaços daquilo que gostaríamos que fossemos.

Entre o outro e nós
Debatemo-nos entre o dar e o receber
Alternando caminhos bem projectados
Mas que não sabemos onde nos arrastam.

Dias assim aqueles que sentimos
Sentimentos de nada
Sentimentos vividos.

Olhamos o mundo
Vemos um pântano
E sentimos a desilusão da humanidade.

Olhamos a aldeia
Encontramos o brilho da luz
E sentimos a pureza da simplicidade.

Entre dois paradigmas
Debatemo-nos na procura de nós
Alternando caminhos bem rascunhados
Que pensamos saber onde nos levam.

Dias assim aqueles que sentimos
Sentimentos de nós
Sentimentos sentidos
De um outro sentimento que gostaríamos de sentir.

Nuno Garção

«A Insustentável Leveza do Ser»

.

"Tenho sempre diante dos olhos Tereza sentada sobre um tronco, acariciando a cabeça Karenin, e pensando no desvio da humanidade. Ao mesmo tempo, surge para mim uma outra imagem: Nietzsche esta saindo de um hotel em Turim. Vê diante de si um cavalo, e um cocheiro espancando-o com um chicote. Nietzsche se aproxima do cavalo, abraça-lhe o pescoço, e sob o olhar do cocheiro, explode em soluços. Isso aconteceu em 1889, e Nietzsche já estava também distanciado dos homens. Em outras palavras: foi precisamente nesse momento que se declarou sua doença mental. Mas, para mim, e justamente isso que confere ao gesto seu sentido profundo. Nietzsche veio pedir ao cavalo perdão por Descartes. Sua loucura (portanto seu divorcio da humanidade) começa no instante em que chora sobre o cavalo. E este Nietzsche que amo, da mesma forma que amo Tereza, acariciando em seus joelhos a cabeça de um cachorro mortalmente doente. Vejo-os lado a lado: os dois se afastam do caminho no qual a humanidade, "senhora e proprietária da natureza", prossegue sua marcha para a frente. [...] Aquilo que o "eu " tem de único se esconde exactamente naquilo que o ser humano tem de inimaginável. Só podemos imaginar aquilo que é idêntico em todos os seres humanos, aquilo que lhes é comum. O "eu" individual é aquilo que se distingue do geral, portanto aquilo que não se deixa adivinhar nem calcular antecipadamente, aquilo que precisa ser desvelado, descoberto e conquistado do outro. [...] Para ele, a música é libertadora: ela o liberta da solidão e da clausura, da poeira das bibliotecas, e lhe abre no corpo as portas por onde a alma pode sair para confraternizar. [...] Sentiu um peso, mas não era o peso do fardo e sim da insustentável leveza do ser."

M
ilan Kundera

Dor

Sensação profunda,
Molhada pelas lágrimas que correm numa face.
Solidão silenciosa,
Que se apodera do fôlego de alguém que luta.
Sofrimento miudinho,
Que nos invade como nevoeiro de Inverno.
Voz gritante,
Que se apodera dos nossos pensamentos.
Raiva cobarde, que nasce vencida…

Nuno Garção

Um dia não são dias

Um dia o céu fica encoberto,
Fecha-se para mim como a felicidade.
Um dia o mar fica agitado,
Como a sensação de dor que me preenche.
Um dia pareço sozinho,
No meio de uma multidão barulhenta.
Um dia procuro-me
E acho um eco de tristeza e de confusão.
Um dia tento preencher o vazio com calma
Mas o vento é muito, forte e desconcertante.
Um dia tento olhar o sol para me aquecer
E sou eu que o arrefeço.
Um dia a minha vida era uma coisa,
Agora não é nada.
Mas, um dia,
O pedaço que me falta,
Re
nascerá como as flores da Primavera.

Nuno Garção

Despertar

Agora que penso novamente em ti,
Depois de mais uma passagem
Pelo fosso do desânimo,
Escuridão das trevas,
Vejo que tudo tem mais encanto.
Procuro percorrer mais um trilho do meu destino.
Procuro-te e encontro-te!
Fico feliz e entusiasmado por te ver,
A ti, esperança.

Nuno Garção

O Mar, a Vida

A vida é um mar, no qual nos lançamos.
Escolhemos barcos diferentes quando desde início sabemos que são iguais.
Encontramos o mar, as rochas, e isso é a vida.
Remamos e outras vezes deixamo-nos ir na vida, no mar,
Encontramos tormentos, tempestades e receios.
Mas, também dias de sol e paisagens, que recordamos como parte da vida.
Apetrechamos o barco com aquilo que pensaríamos necessitar,
Mas, a vida, o mar, é imprevisível.
Mesmo assim, lançamo-nos na vida, no mar.
Lutamos e continuamos a lutar para ultrapassar as rochas,
No sentido de alcançar o nosso mar.
E é aí que percebemos que no mar, na vida,
Temos amigos que acompanham a nossa viagem.
Isso ajuda no mar, o mar de cada u
m, na vida.

N
uno Garção

Brisa que corre

Brisa que corre,
Que corre e não pára.
Brisa que corre
Como o sangue.
Vem refrescar o meu coração,
Vem aconselhá-lo.
Traz-lhe alegria de novo,
Traz-lhe animação,
Vem confortá-lo.
Brisa que corre,
Que corre sem medo.
Brisa que corre!
Vem indicar-me o caminho,
Vem dizer-me onde para a felicidade.
Traz-me amor e carinho,
Traz-me vida e leva a saudade.
Vem devagarinho,
Vem daí sem piedade.
Traz-me aquilo que desejo,
Traz-me loucura e paixão.
Mas traz-me de verdade!

Nuno Garção

«Principezinho»

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“Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a tornou tão importante".

"As pessoas têm estrelas que não são as mesmas. Para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Para outros, os sábios, são problemas. Para o meu negociante, eram ouro. Mas todas essas estrelas se calam. Tu porém, terás estrelas como ninguém... Quero dizer: quando olhares o céu de noite, (porque habitarei uma delas e estarei rindo), então será como se todas as estrelas te rissem! E tu terás estrelas que sabem sorrir! Assim, tu te sentirás contente por me teres conhecido. Tu serás sempre meu amigo (basta olhar para o céu e estarei lá). Terás vontade de rir comigo. E abrirá, às vezes, a janela à toa, por gosto... e teus amigos ficarão espantados de ouvir-te rir olhando o céu. Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!"“Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”.

Saint Exupéry
(Tinha que começar pelo Principezinho!)