Educação das sensibilidades


"A primeira tarefa da educação é ens
inar a ver...
É através dos olhos que as crianças tomam contato com a beleza e o fascínio do mundo...
Os olhos têm de ser educados para que nossa alegria aumente.

A educação se divide em duas partes:
educação das habilidades e educação das sensibilidades...
Sem a educação das sensibilidades, todas as habilidades são tolas e sem sentido.

Os conhecimentos nos dão meios para viver. A sabedoria nos dá razões para viver.
Quero ensinar as crianças. Elas ainda têm olhos encantados.
Seus olhos são dotados daquela qualidade que, para os gregos, era o início do pensamento:
...a capacidade de se assombrar diante do banal.
Para as crianças, tudo é espantoso: um ovo, uma minhoca, uma concha de caramujo, o vôo dos urubus, os pulos dos gafanhotos, uma pipa no céu, um pião na terra.
Coisas que os eruditos não vêem.

Na escola eu aprendi complicadas classificações botânicas, taxonomias, nomes latinos – mas esqueci.
Mas nenhum professor jamais chamou a minha atenção para a beleza de uma árvore...
...ou para o curioso das simetrias das folhas.
Parece que, naquele tempo, as escolas estavam mais preocupadas em fazer com que os alunos decorassem palavras que com a realidade para a qual elas apontam.
As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor.
Aprendemos palavras para melhorar os olhos.
O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido
Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem...

Quando a gente abre os olhos, abrem-se as janelas do corpo, e o mundo aparece refletido dentro da gente.

São as crianças que, sem falar, nos ensinam as razões para viver. Elas não têm saberes a transmitir. No entanto, elas sabem o essencial da vida.
Quem não muda sua maneira adulta de ver e sentir e não se torna como criança jamais será sábio."
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Rubem Alves

Passar pela vida

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"Quem passou pela vida em branca nuvem
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu:
Foi espectro de homem, não foi homem,
Só passou pela vida, não viveu."
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Francisco Octaviano

Cidade - entidade colectiva formada por organismos vivos


"Diante de nós desenham-se os contornos da cidade.

Através dos olhos de uma ave nocturna que voa alto no céu, observamos a paisagem urbana. Dessa perspectiva alargada que se oferece ao nosso olhar, a cidade tem o aspecto de uma gigantesca criatura - ou, melhor dizendo, de um única entidade colectiva formada por organismos vivos. As numerosas artérias que se estendem até às extremidades desse corpo esquivo permitem que o sangue circule continuamente e chegue a todas as células, enviando novas informações e reciclando as antigas, dando origem a novos bens e recuperando os antigos. Criam-se novas contradições, recuperam-se velhas contradições. As partes do seu corpo cintilam, incendeiam-se e oscilam ao ritmo do bater do coração. Aproxima-se a meia-noite, o ponto alto da sua actividade já passou mas o metabolismo vital que assegura a vida continua a trabalhar incessantemente, produzindo o basso contínuo que reproduz mormúrios da cidade, um som monótono, sem altos nem baixos, se bem que prenhe de pressentimentos."
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Haruki Murakami (After Dark - Os Passageiros da Noite)