Faro e Silves e o Al-Gharb

«No seguimento da revolta contra Emir Muhammad I (Governador do Emirato de Córdoba) Yahia Ben Bakr fortifica a cidade de Faro (antiga Ukshunuba), construindo as actuais muralhas da Vila-a-Dentro, dotando-a de fortes portas, e muda o seu nome para Xantamarya Al-Gharb ou Santa Maria do Ocidente.

A Yahia Ben Bakr sucede o seu filho Bakr Ben Yahia, monarca que embora mantendo Xantamarya como capital política passa a maior parte do seu tempo em Silves que transforma na sua capital cultural.
Sucede-lhe por sua vez Calafe Ben Bakr, que apesar de garantir a sua independência em relação ao Emir de Córdoba, apoia-o e colabora com ele na guerra que travam contra os invasores Normandos, assegurando a vitória muçulmana na célebre batalha do Arade.
O governo dos Bakr no Al-Gharb duraria perto de 50 anos. 

Com a submissão dos restantes Muladis revoltosos a derrota do Al-Gharb é inevitável, mas o prestígio dos Bakr, o apoio que granjeiam na população e as próprias relações de cordialidade que mantêm com o Emirato ao longo do período da revolta, permitem que Calafe continue no poder submetendo-se à autoridade do agora proclamado Califa de Córdoba Abd Ar-Rahman III. 

Durante o governo dos Bakr o Al-Gharb torna-se num local de peregrinação para os Cristãos de toda a Hispânia Muçulmana, que afluem aos seus dois santuários - o de Santa Maria em Faro e o de S. Vicente no Promontório Sacro (Sagres). 
Sagres já era desde os finais do século IX um importante local de peregrinação cristã, altura em que são trazidos por mar, desde Valência, e aí depositados, os restos mortais do mártir S. Vicente. 
O culto cristão em Faro é celebrado numa Igreja e há notícia de que os seus bispos participam em concílios.  

O geógrafo Al-Idrisi descreve assim Faro no século XII: 
“Santa Maria do Ocidente está edificada à beira-mar e a maré vem bater-lhe nos muros. É de tamanho mediano e muito bonita; tem uma mesquita catedral, uma mesquita paroquial e uma capela; a ela vêm e dela partem navios. A região é muito rica em figos e uvas”. 
Ainda segundo um relato de um cronista que passa por Faro nesse mesmo século XII o nome da cidade deve-se a uma imagem de Santa Maria existente sobre as muralhas. 

Este facto é confirmado no milagre de Santa Maria incluído nas Cantigas de Afonso X, o Sábio. 
Segundo ele durante o reinado de Aben-Afan, último Rei Mouro do Algarve, a imagem foi atirada ao mar, após o que desapareceu o pescado das águas junto a Faro. 
Apressaram-se os moradores a voltar a colocá-la entre as ameias e o pescado regressou. [...] 

A revolta dos Bakr e a marca que deixa na história do Gharb Al-Andalus inicia indubitavelmente o processo de afirmação da identidade Luso-Arabe, estabelecida territorialmente no actual Algarve e centrada em Silves como sua capital, identidade essa marcada pela heterogeneidade da sua sociedade, pela riqueza da sua cultura, pensamento e espiritualidade 

Sobre Silves escreveu Alexandre Herculano: 
“Comparada com Lisboa, Silves era muito mais forte; e em opulência e sumptuosidade de edifícios, 10 vezes mais notável”. 
O estabelecimento inicial de uma forte comunidade de Árabes do Yémen, que aportariam à região uma pureza linguística e capacidade de expressão poética, contribuiu também para a singularidade cultural do Luso-Arabismo. 

Eis um excerto da descrição de Silves por Al-Idrisi:
“A cidade tem um lindo aspecto, belos monumentos e mercados muito abundantes.
Os seus moradores, assim como os habitantes das aldeias em volta são Árabes do Yémen e de outras partes. Falam uma língua Árabe pura. E são versificadores. E são eloquentes e bem falantes, tanto a boa gente como a gente do povo. Os moradores do campo são em extremo generosos como nenhum outro povo”.

O período das taifas que se seguiria ao governo dos Bakr afirmaria os Banu Muzayne de Silves e os Beni Harun de Faro como famílias de poetas, poesia que atingiria o seu auge com a corte de Al-Mu’tamid Ibn ‘Abbad. 
A identidade Luso-Arabe ficaria também marcada pelo misticismo religioso de Ahmed Ibn Qaci e das suas ligações ao misticismo cristão de Afonso Henriques. 
Sobre Ibn Qaci afirmou Adalberto Alves. 
“O pacto simbólico que então faz com D. Afonso Henriques sela o ideal sinárquico que une a cavalaria templária à cavalaria islâmica muridínica, afinal uma convergente cavalaria espiritual. É esse arco voltaico de natureza iniciática que liberta a sinergia donde Portugal virá a brotar”.»

Retirado de: 

Sem comentários: