Mais uma vez, sobre o estado das coisas...

Durante estas últimas semanas evitei ver as notícias, porque considero que as mesmas me têm provocado algum desânimo e mau estar. Ouço falar da economia, da economia, da crise, da crise, da crise, da educação, ou da falta dela, da pobreza e da riqueza na proporção inversa, da violência, da corrupção, da falta de vergonha...

Onde está a esperança?


Enfim, pergunto-me o que se está a passar à minha volta. E com este estado de coisas confesso que às vezes me apetece ser como a avestruz. É óbvio que não consigo fechar os olhos para viver a minha vida. A recente comemoração do 25 de Abril fez-me pensar que temos que dizer, cada dia e em voz bem alta, aquilo que pensamos sobre este estado de coisas, que deveriam envergonhar governantes e pessoas com cargos de responsabilidade.

Economia. As últimas notícias apontam para a especulação e a pressão que alguns "senhores" fazem sobre os países que acumulam um volume de dívida externa elevado. Fico mesmo sem saber se são estes senhores quem devo odiar pela especulação a que nos têm ultimamente habituado ou aqueles que irresponsavelmente nos vão colocando nesta situação de dependência.

Riqueza e pobreza. Afinal, como é possível que neste jogo continuemos a ver pessoas a enriquecer de forma escandalosa enquanto que a maioria vai ficando cada vez mais pobre, sem condições para viver e sujeitas aos caprichos de quem manipula os mercados. Afinal, não será esta uma nova ditadura em que tudo parece democracia, mas na realidade é algo controlado por um "big brother" que estuda os movimentos da sociedade, se alimenta com uma ganância desmedida e com o aval da classe política que gere sem preocupação e sem respeito o que é de todos nós? Triste figura de quem enriquece à custa daqueles que vão ficando sem emprego, sem possibilidade de dar uma vida digna aos filhos e de poder desfrutar deste mundo que também é seu. Triste figura de quem não consegue olhar para o lado e perceber que se trata de um semelhante... Estou certo que cada um de nós também tem alguma culpa neste estado de coisas: não é por acaso que há dois dias fiquei escandalizado pelo facto das três pessoas que estavam à minha frente numa caixa de uma loja de uma grande superfície efectuarem as suas compras pedindo créditos. Olhei com mais atenção e reparei que uma delas o fazia para comprar bens de primeira necessidade...

A desculpa da crise. V
ejo mais algumas notícias e ouço falar em cortes, cortes na função pública e obviamente (por arrasto) nos trabalhadores do privado. Mais uma vez pergunto: Mas por que razão esses cortes são imputados aos que realmente trabalham? Não são eles que andam a pagar as sucessivas crises que nos atiram aos olhos? Mas por que razão não se corta nos ordenados escandalosos dos políticos e administradores? Alguns deles que nada fazem. Por que razão não se selecciona criteriosamente as pessoas que mexem no dinheiro dos contribuintes e com ele fazem contas de "sumir"? Por que razão os vários escândalos que vemos na televisão não levam os seus responsáveis à prisão e não fazem com que o dinheiro "sumido" volte à sua origem? Será que têm que ser os trabalhadores, aqueles que realmente põem este país e o mundo a funcionar, a pagar a factura dos que se passeiam nos "porches" e "ferraris" a caminho das suas mansões?


Educação ou falta dela. Diariamente olho para o meu mundo, para o meu trabalho, e vejo como as políticas educativas são pensadas. O importante é gastar menos, mesmo que em causa possa estar a formação futura dos jovens. Fico desanimado ao ver a crescente onda de indisciplina e nada é feito para travar tal facto. Fico abismado com o discurso de que tudo é normal. E tudo é passível de ser exigido aos professores que trabalham cada vez mais, com menos condições e mais desiludidos.
Não, nada disto é normal e benéfico para uma sociedade! Se queremos um sociedade mais justa, mais igualitária, mais harmoniosa, mais interessante, mais estável, temos que apostar seriamente na educação sem olhar a custos.
Só assim conseguiremos formar aqueles que no futuro deverão saber decidir e gerir um estado de coisas que espero ser bastante melhor do que aquele que temos agora.

Nuno Garção

10 comentários:

Gi disse...

A esperança está em ti e em cada um de nós! :)

Nuno Garção disse...

Em cada um de nós!

Manuel Ramos disse...

Obrigado, Nuno, por partilhares connosco aquilo que também sinto, melhor, cada vez mais sinto. Faz-nos algum conforto saber que não estamos sozinhos, infelizmente, na análise que fazemos dos rumos que este país e mundo tomam.
Com uma agravante para o meu lado, considerada a nossa diferença de idades: as responsabilidades partilhadas que a minha geração tem no Portugal de hoje e que, só quase, me obrigam a parafrasear uma recente tirada, pedindo desculpas aos que vêm um pouco mais atrás!

Unknown disse...

Tal como já te tinha dito considero que o nosso principal défice, o mais preocupante é o défice de mentalidades ... neste ponto não tem havido qualquer evolução.
Vivemos num país do "Faz de conta", que juntamente com o encolher de ombros do "deixa andar" tem constituído a ditadura do "mais ou menos".
Esperança? Mais ou menos ...
Progresso? mais ou menos ...
felicidade? mais ou menos ...
Justiça? nem sequer mais ou menos ...
Liberdade? mais ou menos ...
Trabalho? mais ou menos ...
Educação? mais ou menos ...
...
por vezes o nosso vocabulário é tão pobre !!!

Nuno Garção disse...

João
Não posso deixar de publicar aqui o endereço do teu blog, porque vai na linha desta discussão e tem textos bem interessantes.
http://zacarias2007.blogspot.com/

Abraço

Nuno Garção disse...

Manuel
Deixo também aqui os teus blogs que têm levantado muita discussão sobre assuntos do interesse de todos.

«Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir.» George Orwell (1903-1950)

http://vereadordacdu.blogspot.com/
http://sacodosdesabafos.blogspot.com/
Nuno

Nuno Garção disse...

E pergunto-me:
Mas afinal quando começou esta crise, crise financeira, crise de valores, crise...?
Parece que ouço falar disto desde que nasci?
Talvez como o João refere, o que nos falta é uma crise de mentalidade e de esperança... Tudo isso "descamba" no resto.
Nuno

Manuel Ramos disse...

Essa é uma boa pergunta, quase epistemológica quando considerada a história e a historiografia portuguesas. Uns diriam que foi logo em 1143, no lugar de Zamora, que um tal Afonso cortou cerce com uma relação natural entre a Galiza e Portucale e para ser reconhecido como rei ficou pagando em ouro por longos anos; aí começa o déficit. Os valores deixou-os nos campos de batalha do sul, contra a "moirama" civilizada. Já outros, localizam o início do problema na loucura africana de Álcacer Quibir, no sonho de um quinto Império sebastianista, que nos faliu mais do que nos endinheirou. Porquê? Porque sempre vivemos à sombra das especiarias, dos escravos, depois do ouro do Brasil e das últimas colónias africanas. Mais recentemente dos fundos comunitários. E sempre que a torneira secava por um instante, caíamos em depressão e crise estrutural. Sempre vivemos muito acima do que somos e produzimos enquanto povo -neste canteiro à beira mar plantado - mas nunca o quisemos assumir. Ora estamos na maior, ora estamos na pior. Somos bipolares enquanto nação. Os nossos maiores artistas espelham este nosso modo de estar e ser: Camões produziu um poema épico enaltecendo a grei quando já Portugal vivia a plena crise do seu poderio marítimo em concorrência com Espanha; quando já no séc. XIX o orgulho colonial português foi profundamente ferido pelo ultimato inglês e de seguida engolimos um sapo ao entrar na 1ª guerra ao lado dos nossos velhos "aliados", Fernando Pessoa(só alguns anos depois) produzia a "Mensagem". Hoje, continuamos assim: bipolares, anacrónicos, chico-espertos, preguiçosos, mas muito críticos dos outros, mesmo quando fazem melhor. Somos grandes treinadores de bancada, convencidos, mas quando se trata de elogiar o que é português, não, sempre é melhor o que é estrangeiro. Se o português estiver no estrangeiro (quase se pode dizer que é a melhor pátria do português), outra pecha que já Camões sofreu, enfim, dá-se-lhe o benefício da dúvida. Nem sempre: ai do português que disser mal de Portugal ou dos portugueses, estando no exílio! É corrido a "mil à hora" e de bestial passa a besta...
Se isto são valores, o que serão valores?
Desculpa o longo texto.
E já agora: o homem que parafraseei foi Passos Coelho, a propósito do seu recente pedido de desculpas.O que é coisa que também tem a ver com valores, não é?

Nuno Garção disse...

Pois é amigo, vamos esperar que o destino nos brinde com mais um balão de oxigénio: o ideal seria com esta crise sabermos ser pessoas civilizadas em vez do típico "chico esperto" de que falas e que vai tirando aos outros e ao país enquanto pode e o deixam, passando impune no nosso sistema de justiça... Ao que parece isso também é transversal à nossa história, porque já no passado deve ter havido sempre muitos ou poucos a beneficiarem com a demanda do nosso país. Porque verdade seja dita: não são todos pobres em Portugal...
Já agora, não se nota nada que és Prof. de História. ;)
Abraço
Nuno

Unknown disse...

Manuel
Gostei muito da tua ideia de um país bipolar !!!
Concordo inteiramente.
Saltamos do 8 para o 80, como se de um jogo de pingue-pongue se tratasse.