Cidade - entidade colectiva formada por organismos vivos


"Diante de nós desenham-se os contornos da cidade.

Através dos olhos de uma ave nocturna que voa alto no céu, observamos a paisagem urbana. Dessa perspectiva alargada que se oferece ao nosso olhar, a cidade tem o aspecto de uma gigantesca criatura - ou, melhor dizendo, de um única entidade colectiva formada por organismos vivos. As numerosas artérias que se estendem até às extremidades desse corpo esquivo permitem que o sangue circule continuamente e chegue a todas as células, enviando novas informações e reciclando as antigas, dando origem a novos bens e recuperando os antigos. Criam-se novas contradições, recuperam-se velhas contradições. As partes do seu corpo cintilam, incendeiam-se e oscilam ao ritmo do bater do coração. Aproxima-se a meia-noite, o ponto alto da sua actividade já passou mas o metabolismo vital que assegura a vida continua a trabalhar incessantemente, produzindo o basso contínuo que reproduz mormúrios da cidade, um som monótono, sem altos nem baixos, se bem que prenhe de pressentimentos."
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Haruki Murakami (After Dark - Os Passageiros da Noite)

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